A páscoa e o coração humano

Às vésperas da celebração da páscoa, época que deveria representar o início de uma nova vida, vislumbra-se o crescimento do império corporativo,  do consumismo, em que provavelmente os valores mais respeitados são aqueles pagos em moeda e não os próprios da virtude, moral e, muito menos, os religiosos. De fato, hoje se fala muito mais na compra de ovos de chocolate do que no sacrifício de Jesus e na redenção e perdão aos pecados por nós cometidos.

Parece que o coração humano (ou vamos ser honestos, cérebro humano) tem muito a ver com essa tática: valorizar coisas banais para não internalizar aquilo próprio, aquilo que pode fazê-lo sentir algo mais profundo… é o que chamaríamos de racionalização, pois, racionalizando, teoricamente, deixaríamos de sentir. É uma forma de autoproteção. O egoísmo desse coração humano é notório, pois é uma capa protetora contra toda e qualquer reflexão mais profunda, contra todo e qualquer sentimento que não se refira ao próprio ego. Mas até que ponto é correto racionalizar?

Observe-se o papel de um médico: muitas vezes, para tratar um paciente, ele precisa proceder a uma cirurgia, isso significa lesioná-lo, fazê-lo sangrar e sentir dores pós-cirúrgicas, pô-lo em risco de morrer na mesa de operação, porém ele se sujeita a isso, racionalizando que tal atitude será necessária para melhorar a condição de saúde desse paciente.

Depois de um tempo, torna-se um procedimento tão comum, que o médico consegue se distanciar completamente dessas ideias e nem consegue, em muitos casos, ver o paciente como pessoa diante de si. Desse modo, atinge-se outro extremo, aquele em que a racionalização banaliza tanto pessoas como seus sentimentos e passa-se a dar valor aquilo que não merece tanto.

Assim, ponderar entre valores como vida humana e interesse econômico que antes fariam pender obviamente para a vida humana, passam, no dia-a-dia, por uma valoração inversa em que o interesse econômico passa a se sobrepor. No que diz com a época que estamos vivendo, valora-se em demasia ovos de chocolate, em detrimento da reflexão sobre a ressurreição de Cristo e a proposta de uma nova vida, despojada de interesses egoísticos e voltada para a caridade e para o bem.

Se por um lado, racionalizar permite com que não nos sensibilizemos com coisas terríveis que podem se apresentar no nosso quotidiano, essa dessensibilização não pode chegar ao ponto de esquecermo-nos completamente de que lidamos com pessoas,  e que elas possuem sentimentos, dores e angústias que não poderiam ser ignorados.

É preciso, portanto, que se trate as pessoas com dignidade, com respeito e com compreensão, para isso, devemos nos livrar da carapaça, da autoproteção construída pela racionalização, e nos permitirmos sentir. Em palavras simples: é preciso ser gente, ser humano, mas isso não é nada fácil. É muito mais simples mostrar-se duro e insensível, do que compadecer-se e chorar com o sofrimento do outro. É muito mais simples distanciar-se dos problemas e pensar que nada daquilo se refere a você: “tanto faz se alguém está morrendo, tanto faz se alguém passa fome, não é problema meu”.

Jesus morreu por nossos pecados, Ele expiou por nós,  como um cordeiro sacrificado diante de Deus Pai, foi torturado, e, por nossa redenção, ressuscitou. Mas parece que o que mais nos importa é o preço do peixe,  quanto chocolate vamos comprar para nossos familiares, quanto chocolate iremos ganhar, como se chocolate fosse o verdadeiro símbolo da páscoa e não o cordeiro, o sangue, a vela, a cruz e o ovo.

Celebrar a páscoa é importante para nos recordarmos da vida que se perdeu e da vida nova que nos foi concedida, uma vida que se deveria celebrar e agradecer todos os dias, uma vida a ser valorizada,  uma vida que devemos permear com os exemplos de Cristo, Aquele que brigou com os comerciantes do templo e nos ensinou a amar-nos uns aos outros como Ele nos amou.

Desejo a todos uma Feliz Páscoa, cheia de sentimentos e reflexão!